A Lei 14.365/22 e sua aplicação imediata
A questão do arbitramento da verba honorária devida aos advogados sempre foi assunto tormentoso para a classe, sendo de se destacar as atiladas observações de Lenio Streck, para quem:
“em matéria de arbitramento da verba honorária sempre prevaleceu, como pauta regente de variadas decisões, a visão particular dos julgadores, as afinidades ou empatias que nutrem por um ou outro advogado, e ainda, em alguns casos extremos, o repúdio em estarem obrigados a arbitrá-la – e a prática
forense infelizmente alimenta o status a quo, tanto que decisões que arbitram honorários advocatícios sucumbenciais parecem dotadas de um estranho poder que as imuniza do dever constitucional de motivação.” [1]
Com a edição da Lei 14.365/2022, pretendeu o Legislativo eliminar as aludidas “variadas decisões”, para fixar parâmetros objetivos de fixação da honorária, seus limites mínimos e máximos.
Anote-se que quando da edição da Lei 8.906/94, na sua redação originária, o legislador já havia criado critérios para arbitramento da verba honorária, para estabelecer um piso mínimo “não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo conselho Seccional da OAB” [2] nos termos do § 2º do Artigo 22 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Entretanto, o egrégio STJ, mitigando o Estatuto dos Advogados, afastou a força cogente do disposto no § 2º do Art. 22 da Lei 8.906/94, para dizer que a tabela organizada pelo conselho Seccional da OAB era meramente informativa, dando margem a existência da jurisprudência lotérica.
A nova legislação pretendeu eliminar este estado de coisas (insegurança jurídica), e assim, o § 2º do artigo 22 da Lei 8.906/94, passou a ter a seguinte redação:
“§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, observado obrigatoriamente o disposto nos §§2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 6º-A, 8º, 8º-A, 9º e 10 do art. 85 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”
O Poder Legislativo, ainda, acrescentou o § 20 ao artigo 85 do CPC, in verbis:
“§ 20. O disposto nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 6º-A, 8º, 8º-A, 9º e 10 deste artigo aplica-se aos honorários fixados por arbitramento judicial.”
Afasta-se, com a edição da Lei 14.365/22, o exagerado subjetivismo que a questão carregava, e, doravante, não se pode imaginar a fixação da honorária em valores incompatíveis com a importância econômica da causa, ou fora das balizas previstas no § 20 do artigo 85 do CPC, bem como no § 2º do Artigo 22 da Lei 8.906/94.
A classe dos advogados deve receber as inovações trazidas pela edição da Lei 14.365/22, com alegria e como um verdadeiro marco civilizatório quanto ao tema.
É que todas as causas em andamento ainda não sentenciadas terão significativa alteração de resultados, porquanto, no que se refere aos efeitos da lei no tempo, o STJ, adotando a clássica doutrina de Chiovenda e remarcando o caráter híbrido das normas que fixam honorários (processual/material), uniformizou sua jurisprudência no sentido de que o direito aos honorários nasce com a decisão do juiz, condenando a parte sucumbente a pagá-los e dependeria da sucumbência, a fortiori porque o trabalho desempenhado pelo advogado, no decorrer do processo, não originaria um direito, mas sim uma situação jurídica apta a formar, futuramente, um direito. Dessa forma, a sentença não reconheceria ao causídico direito preexistente, e sim direito que surge com a decisão judicial.
Nesse mesmo sentido:
PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MARCO TEMPORAL PARA APLICAÇÃO DO CPC⁄2015. PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, NÃO PROVIDO.
1. Constata-se que não se configura a ofensa aos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.
2. O acórdão impugnado está bem fundamentado, inexistindo omissão ou contradição. Cabe destacar que o simples descontentamento da parte com o julgado não tem o condão de tornar cabíveis os Embargos de Declaração, que servem ao aprimoramento da decisão, mas não a sua modificação, que só muito excepcionalmente e admitida.
3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o marco temporal que deve ser utilizado para determinar o regramento jurídico aplicável na fixação dos honorários advocatícios e a data da prolação da sentença, que, no caso, foi na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Precedentes: AgInt no REsp 1.657.177/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 23.8.2017; REsp 1.636.124/AL, minha relatoria, Segunda Turma, DJe de 27.4.2017.
4. Consigne-se que o quantum da verba honorária, em razão da sucumbência processual, está sujeito a critérios de valoração delineados na lei processual. Sua fixação e ato próprio dos juízos das instâncias ordinárias, e só pode ser alterada em Recurso Especial quando tratar de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura.
5. Dessa forma, modificar o entendimento proferido pelo aresto confrontado implica o reexame da matéria fático-probatória, o que e obstado a este Tribunal Superior, conforme a Súmula 7/STJ.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(STJ-2ª T., REsp 1.683.612, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 26.09.2017, DJe 10.10.2017)
Ainda:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA DE OMISSÃO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA JURÍDICA. LEI NOVA. MARCO TEMPORAL PARA A APLICAÇÃO DO CPC⁄2015. PROLAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Constata-se que não se configura a ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.
2. Cabe destacar que o simples descontentamento da parte com o julgado não tem o condão de tornar cabíveis os Embargos de Declaração, que servem ao aprimoramento da decisão, mas não a sua modificação, que só muito excepcionalmente é admitida.
3. No mérito, o Tribunal a quo consignou que “a melhor solução se projeta pela não aplicação imediata da nova sistemática de honorários advocatícios aos processos ajuizados em data anterior a vigência do novo CPC.”
4. Com efeito, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça posicionou-se que o arbitramento dos honorários não configura questão meramente processual.
5. Outrossim, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a sucumbência e regida pela lei vigente na data da sentença.
6. Esclarece-se que os honorários nascem contemporaneamente a sentença e não preexistem a propositura da demanda. Assim sendo, nos casos de sentença proferida a partir do dia 18.3.2016, aplicar-se-ão as normas do CPC/2015.
(STJ- 2ª T., RE 1.636.124-AL, Relator Min. Herman Benjamin, DJ 06/12/2016)
A edição da Lei 14.365/22, em princípio, afasta vezo da aceitação da existência de “decisões variadas”, carregadas de subjetivismos e incompatíveis com a segurança jurídica do advogado. “Não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular ele próprio a regra de direito aplicável.” [3]
A participação da Ordem na defesa do direito dos advogados será fundamental e absolutamente necessária, para “superar fatores adversos que costumam pôr em risco a efetividade das novas Cartas, como a previsível reação dos interesses contrariados ou a “pura e simples indolência mental”, que em interpretação retrospectiva, lê o novo texto com espírito nostálgico, sem o ímpeto de buscar novas soluções. Tanto a timidez como a eventual hostilidade do Poder Judiciário tirar-lhe-iam as honras de colaborador sincero e empenhado da restauração democrática, para transformá-lo em coadjuvante do fracasso, como sabotador voluntário ou involuntário” [4] das inovações trazidas em face da publicação da Lei 14.365/22.
Artigo publicado em:
[1] STRECK, Lenio, 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-out-10/arbitramento-honorarios-sucumbenciais-casos-improcedencia. Acesso em: 9 de abril de 2018
[2] Lei 8.906/1994 – Art. 22. § 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB
[3] STF-RBDP 50/159
[4] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição, in Revista Forense, vol. 304/151
Marcello Macedo Reblin
OAB/SC 6435
Sócio fundador do Escritório Menezes Reblin Advogados Reunidos (1989).
Direito – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (1988)
Sua especialidade é o direito público, destacadamente na área Administrativa-Constitucional